A constituição de sociedades empresariais na área da saúde é prática comum entre médicos que buscam otimizar a gestão tributária, ampliar a estrutura de atendimento ou dividir custos operacionais. No entanto, quando essas sociedades não possuem efetiva atividade empresarial e são utilizadas apenas como instrumentos artificiais, surgem as chamadas “sociedades de fachada”. Essa prática expõe o médico a sérios riscos jurídicos, tributários, éticos e até criminais.
A sociedade de fachada é aquela que, embora formalmente registrada na Junta Comercial ou no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não exerce de fato a atividade para a qual foi constituída. Muitas vezes, trata-se de empresa criada apenas para possibilitar emissão de notas fiscais, redução indevida da carga tributária ou obtenção de vantagens em contratos com planos de saúde e hospitais.
Na área médica, é comum que clínicas sejam abertas em nome de profissionais que, na prática, não exercem nenhuma função administrativa ou assistencial no empreendimento. Em outros casos, sociedades são criadas com familiares ou terceiros apenas para mascarar a realidade do exercício individual da medicina.
Riscos tributários e cíveis
A Receita Federal e os fiscos estaduais têm mecanismos sofisticados de cruzamento de informações. Quando identificada a ausência de atividade empresarial efetiva, a sociedade de fachada pode ser desconsiderada, aplicando-se a figura do “abuso de personalidade jurídica” (art. 50 do Código Civil).
Isso significa que os bens pessoais do médico podem ser alcançados para satisfazer débitos tributários ou cíveis da clínica. Além disso, operações consideradas fraudulentas podem gerar autuações fiscais milionárias, com cobrança de tributos retroativos, juros e multas que chegam a 150% do valor devido.
Repercussões ético-disciplinares
O Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece, no Código de Ética Médica, que é vedado ao profissional emprestar seu nome para fins mercantis ou de intermediação irregular de serviços de saúde. O médico que se associa a uma sociedade de fachada pode responder a processo ético-profissional, correndo o risco de sofrer sanções que variam de advertência até cassação do exercício da medicina.
Além disso, a utilização de pessoas jurídicas fictícias pode ser interpretada como conduta desleal no mercado, configurando infração à ética médica e concorrência desleal perante outros colegas e instituições.
Implicações criminais
A depender da finalidade da sociedade de fachada, o médico ainda pode ser investigado por crimes como sonegação fiscal (Lei nº 8.137/1990), falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e até mesmo lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998), caso haja movimentações financeiras simuladas. A responsabilização criminal é pessoal, e o argumento de desconhecimento ou de que apenas “emprestou o nome” dificilmente será aceito pela autoridade judiciária.
Caminhos para uma atuação segura
O médico que deseja empreender deve estruturar sua clínica ou sociedade de forma transparente e regular. Isso inclui definir corretamente o objeto social da empresa, alinhado à atividade exercida; Manter registros contábeis e fiscais regulares; Evitar a constituição de sociedades sem participação real dos sócios; Buscar assessoria jurídica e contábil especializada em saúde e respeitar sempre as normas éticas do CFM.
O médico que se associa a uma sociedade de fachada coloca em risco não apenas seu patrimônio, mas também sua carreira e reputação. O que muitas vezes parece uma solução simples para questões tributárias ou contratuais pode se transformar em um grave problema jurídico.
Assim, a blindagem jurídica do exercício da medicina exige consciência, planejamento e respeito às normas legais e éticas. Empreender na saúde é legítimo e necessário, mas deve ser feito com responsabilidade e transparência.
Daniela Junqueira Andrade
Advogada associada da Fraz Advocacia com foco em Direito Médico. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Tocantins. Pós-graduada em Direito do Consumidor, com curso de extensão em Direito Civil e Processo Civil, além de formação em Conciliação. Atua na assessoria jurídica de profissionais da saúde, com ênfase em responsabilidade civil, contratos médicos e estratégias de prevenção de riscos jurídicos na prática clínica.