Coluna Na Letra da Lei
A prisão domiciliar imposta a Jair Messias Bolsonaro é mais que um ato jurídico: é um retrato claro de como, no Brasil de hoje, a lei pode ser dobrada quando o alvo é um adversário político incômodo.A norma é cristalina. O art. 317 do Código de Processo Penal define a prisão domiciliar e o art. 318 limita seus casos: idosos acima de 80 anos, pessoas gravemente doentes, gestantes, responsáveis por crianças pequenas ou pessoas com deficiência.
Bolsonaro não se enquadra em nenhum desses requisitos. Ainda assim, foi colocado em reclusão domiciliar. Mais grave: a decisão teria sido tomada de ofício pelo ministro Alexandre de Moraes, algo proibido desde o Pacote Anticrime (art. 3º-A, CPP), que impede o juiz de agir sem provocação. A justificativa? O suposto descumprimento de medidas cautelares que o impediam de usar redes sociais ou permitir postagens em seu nome.
Mas aqui está o absurdo: a Constituição garante a liberdade de expressão e proíbe punir alguém por ato de terceiro. Sem prova de participação direta (art. 29 do CP), a medida beira a arbitrariedade. Punir um político por um post de outra pessoa é abrir a porta para censura disfarçada.
O que vemos é um Judiciário que, em certos casos, atua como parte interessada, não como árbitro. Ao mesmo tempo, restringe direitos da defesa e enfraquece garantias processuais conquistadas a duras penas.
A prisão domiciliar de Bolsonaro, sem base legal sólida, não é apenas um golpe contra um homem. É um recado: se hoje é contra ele, amanhã pode ser contra qualquer um que ouse desafiar o poder. A história mostra que onde a lei vira instrumento de perseguição, a democracia começa a morrer e, no Brasil, o funeral pode já estar marcado.
Este artigo retrata a opinião do colunista.
Marcelo Abrantes
Jornalista / Advogado